segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Separação desvelada

 


Marisa de Costa Martinez[i]

 

Com frequência, ouvimos falar de pais que não se separam por causa dos filhos, pelo receio de traumatizá-los, mesmo que vivam em plena "guerra" no casamento. A esses pais eu pergunto: não seriam os desentendimentos constantes entre eles ainda mais prejudiciais que a própria separação para os filhos? Ademais, é constante o relato de casais que brigam, mas passam uma vida inteira juntos!

Nesse sentido, Jacques Lacan (1901-1981), psicanalista francês, propõe que é estruturante para o sujeito que seu pai ame uma mulher, não necessariamente a sua mãe. Isso para nos mostrar que precisamos reconhecer nossos pais como seres faltantes, que um pai não pode ocupar a posição de super-herói para um filho a vida toda.

Para que um pai deseje algo, implica-se que algo lhe falte. E essa falta não pode ser suprida com o filho. Aqui há uma separação fundamental: nossos pais desejam algo para além de nós. Também sabemos que a separação, de forma geral, é estruturante para os sujeitos, por exemplo, quando dizemos que "é preciso cortar o cordão umbilical".

O problema é quando a família lida com suas dificuldades por meio do silêncio ou da mentira, a saber, quando o divórcio dos pais é da ordem do “imprevisto” para os filhos. Assim, o filho recebe com susto a notícia da separação de seus pais. Um casal não se separa "do nada". A separação é uma dor para todos, e implica um efeito que não sabemos, a priori, qual será. É importante que a criança saiba que o divórcio é um mal menor, cuja decisão não foi fácil.

O divórcio é uma saída para cessar uma relação que estava insuportável. O “não falar” não torna a separação mais fácil, ao contrário, justamente as coisas que escondemos e não dizemos são as mais importantes. Por que os filhos não poderiam saber da limitação de seus pais quando eles se responsabilizam pelo divórcio e assumem que as coisas não andam bem? Muitos pais se enganam ao pensar que a criança não é sensível ao mal-estar do casal. Sabemos que ela percebe, sente, e mais que isso: a criança é quem, muitas vezes, adoece quando seus pais não assumem suas dificuldades no casamento.

Freud (1856-1939), psicanalista austríaco, considerado o pai da psicanálise, lembra-nos de que até mesmo em uma família nuclear - constituída por pai, mãe e filhos - a criança tende a fantasiar irmãos adotados, padrasto, madrasta e infidelidade dos pais. Assim, a criança, por meio da imaginação, constrói os seus mitos.

O esperado - e necessário - em uma família é que indivíduo liberte-se da dependência dos pais, por mais dolorosa que seja essa autonomia no desenvolvimento de cada um, tanto que sabemos tratar-se de uma libertação parcial. Em atendimentos clínicos, nós, psicólogos e psicanalistas, deparamo-nos constantemente com as demandas de famílias, como, por exemplo, filhos de mães separadas que dizem: “Quando a minha mãe se apaixonar por um homem e ele vier morar com a gente, a nossa vida vai mudar”.

Isso para nos dizer que, além da realidade factual, na qual não há um pai, a criança poderá criar em sua imaginação essa figura, seja no horizonte, seja um pai morto, do qual sua mãe possa falar com amor e admiração olhando uma foto... Outro exemplo interessante é o caso de um filho de mãe solteira cuja função paterna fora feita por Willian Bonner, que, todas as noites, ao dizer “boa noite” ao final do Jornal Nacional, ouvia sua mãe responder “boa noite, meu lindo”. Essa criança pode ver que, apesar do lugar de desejo que ocupa em sua mãe, ela tem outro amor.

Na verdade, se podemos dizer que há algo que estrutura uma família, este é o lugar que o filho ocupa na história dos pais. O maior sofrimento é quando não há esse lugar de desejo, porque primeiro é preciso que um filho se alie e se aliene a esse lugar que ocupa no desejo dos pais, para depois poder se separar. Se houve amor no momento da concepção dos filhos, isso não pode ser negado durante o divórcio.

Para a psicanálise, a família, independente de sua evolução e de sua estrutura, será sempre uma história de família, uma cena de família, que cada um, ao seu modo, contará. Sabemos que os pais são modelos de identificação, um exemplo a ser seguido (ou não) pelos filhos. Um filho pode escolher trilhar um caminho bem diferente de seu pai, que se separou e voltou a morar, e depender de seus pais, podendo, a partir disso, almejar sua independência e responsabilizar-se por si.

Para algumas famílias, o divórcio pode significar amadurecimento; pode ser um alívio para os filhos que, porventura, tenham uma relação tumultuosa com algum dos genitores; a separação pode ainda ser algo muito ruim para um filho que fica na posição de escolher entre um dos genitores para morar, enquanto separa-se destes. Ou seja, inúmeras são as possibilidades para lidar com uma separação, e por isso a psicanálise propõe tratar cada caso como uma situação particular.

O que é preciso desvelar para que a separação passe do caos à possibilidade é a ordem da palavra, do falar sobre as dificuldades, sofrimentos e também sobre os desejos. Falar é fundamental para todos os membros da família, principalmente a criança, a fim de colocar em palavras a angústia indizível. A criança precisa saber que o fato de o casal se separar não quer dizer que se separará dos filhos. Ainda é preciso ressaltar que não são todos os filhos de pais separados que precisarão de um psicanalista. Mas são todos os filhos que precisam ser escutados.

 

Fonte: http://www.revistatotalsaude.com.br/noticias/separacao-desvelada



[i] [i] Psicóloga. AP. Mestranda em Psicologia pela UFMS. Rua Jeribá, 750, Chácara Cachoeira, Campo Grande, MS, Brasil. E-mail: marisadecosta@gmail.com
 

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