domingo, 11 de novembro de 2012

A arte de costurar palavras


A ARTE DE COSTURAR PALAVRAS[*]
 
 

Isloany Machado[†]

Há uns anos tenho aprendido a arte de costurar palavras. Quando fui pela primeira vez ao ateliê estava com uma bagagem enorme cheia de retalhos e de palavras soltas, alguns carretéis de linha, revistas com moldes, muitos pontos de interrogação e duas agulhas. Imaginei que a costureira fosse me ensinar primeiramente fazendo a costura para que eu pudesse observar e aprender. Mas não, o que ela fez foi e dizer: “costure!”. Confesso que fiquei um tanto apavorada, pois não sabia sequer colocar a linha na agulha. Ela me disse para costurar aleatoriamente as palavras, mas era muito difícil, então eu pegava as revistas e costurava as palavras de um jeito que ficava tudo muito repetitivo. Um dia ela me disse para jogar fora as revistas moldes: “Já chega de repetir os modelos! Vamos fazer um novo, que seja criação sua.” Me angustiei, chorei e, apesar dos meus apelos, ela não colocava a mão na agulha. Esse é o estilo dela, mas já ouvi dizer que em alguns ateliês, não hesitam em meter a mão e costurar pelo aprendiz. Em alguns momentos, quando eu estava lá costurando e costurando, ela jogava um ponto de exclamação ou de interrogação no meio, às vezes mudava a vírgula que eu havia costurado junto com as palavras lá no início, ou ainda arrancava as aspas do lugar dizendo que as palavras eram minhas e que não era mais necessário usar as aspas. Para encerrar um encontro ela fazia cortes no meio da minha costura, pegava a tesoura sem dó e retalhava uma frase que eu costurara com tanta dificuldade. Diversas vezes ela jogou reticências no meio do meu trabalho, e isso quebrava o rumo da costura. E eu tinha que recomeçar, escolher outras palavras, umas novas, outras que precisaram ser tiradas lá do fundo da bagagem. Ela muitas vezes perguntou por que eu não usava os retalhos que estavam já há muito esquecidos, pois isso ajudaria a compor minhas costuras, mas eu tinha dificuldade de achar que um retalho pudesse servir pra alguma coisa. O que eu queria mesmo era criar um vestido de gala, pomposo, mas com o tempo fui percebendo que um vestido costurado com palavras simples e entremeado de retalhos poderia ficar muito original. Percebi que de vestidos de gala o mundo da moda já está cheio e que eu poderia sair dali não só como uma costureira que reproduzisse os modelos que as pessoas quisessem, mas que poderia ser uma estilista. Eu poderia costurar imprimindo meu estilo, minha marca. Eu tenho lições de costura ainda, pois quero me formar para atuar não só como costureira das minhas palavras, mas também quero auxiliar pessoas que queiram fazer esta arte. Mas hoje já saio por aí costurando palavras e faço peças inéditas, faço invencionices com as palavras. Entendo que se ela tivesse costurado para que eu copiasse, não teria adiantado nada, eu seria uma costureira copiadora do estilo dela. A arte de costurar palavras é árdua, mas cada peça montada com a própria marca vale à pena.

Campo Grande, 27 de abril de 2012.



[*] Este texto foi apresentado na III Jornada de Psicanálise do Fórum do Campo Lacaniano do MS. Trata-se da metáfora de um processo analítico.
[†] Isloany Machado é Psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela UFGD. Mestranda em Psicologia pela UFMS. Psicóloga de formação e costuradora de palavras por opção. E-mail: isloanymachado@gmail.com
Contato: (67) 9995-7837 (vivo) /(67) 8185-1910 (tim).

Nenhum comentário:

Postar um comentário